quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Regulamentação do Montanhismo

Segue um texto do presidente da FEMESP Silvério Nery sobre a regulamentação do montanhismo no Brasil. É importante que todos montanhistas/excursionistas fiquem atentos ao tema pois a cada dia o governo inventa regras genéricas que podem afetar a nossa atividade tal como a obrigatoriedade de contratação de guias para a entrada em certos parques.

10/2007_Regulamentação do Montanhismo

Durante o primeiro mandato do Presidente Lula, a partir de 2003, o Ministério do Turismo resolveu regulamentar a pratica do Turismo de Aventura, através de um programa chamado “Aventura Segura”. Desde então várias pessoas ligadas às Federações de Montanhismo e a outras associações esportivas perceberam que esse processo poderia interferir na atividade do Montanhismo tradicional, praticado de forma livre e independente. Entretanto nunca houve um consenso a respeito do assunto, provavelmente porque dentre os montanhistas e outros esportistas que tem seu ganha pão em atividades turísticas, alguns vislumbraram que a possibilidade de regulamentação poderia reduzir efetivamente os riscos dessas atividades, tornando-as mais organizadas e lucrativas.

O projeto do Ministério tem entre suas metas formais aumentar a segurança nas atividades do chamado Turismo de Aventura. Mas seu principal objetivo é aumentar o fluxo de turistas estrangeiros interessados na prática de atividades ao ar livre, nos moldes do que ocorre na Nova Zelândia, conforme declarou o então Ministro do Turismo Walfrido dos Mares Guia, na abertura da Adventure Sports Fair 2004.

No que tange ao Montanhismo e à Escalada, é fundamental manter bem definidas as diferenças entre as práticas do turismo em ambiente de montanha e a prática do montanhismo tradicional. A regulamentação e a prática do turismo não devem comprometer a prática e a cultura do montanhismo tradicional. A base do conhecimento técnico do montanhismo é de domínio da comunidade montanhista, que se formou ao longo de quase um século de atividade. Esta comunidade é representada por clubes e associações, organizados em Federações Estaduais, que formam a Confederação Brasileira de Montanhismo e Escalada (CBME). Estas organizações são responsáveis pela regulamentação das atividades (procedimentos e técnicas) de montanhismo.

Infelizmente, da parte dos órgãos oficiais essas diferenças nem sempre são reconhecidas, como se pode depreender da definição de Turismo de Aventura contida nos documentos oficiais do Ministério do Turismo:

“Turismo de Aventura compreende os movimentos turísticos decorrentes da prática de atividades de aventura de caráter recreativo e não competitivo”

Essa definição engloba todas as atividades praticadas ao ar livre que não envolvam a competição convencional. Infelizmente, embora vários participantes do programa oficial soubessem da existência dos clubes, associações, Federações Estaduais e da CBME, não fomos chamados a opinar ou participar da fase de definição desse projeto, o que resultou nesta e em outras invasões de área, algumas das quais ainda por serem reveladas no desenvolvimento do processo. Vejamos algumas possibilidades bastante tangíveis.

O programa pressupõe a certificação de condutores e empresas através de Normas elaboradas no âmbito da ABNT/INMETRO, um padrão de certificação desenvolvido para a indústria e com raras aplicações na certificação de pessoas. Esse modelo contrasta fortemente com tudo que conhecemos referente ao ensino e à qualificação de montanhistas e guias de montanha no mundo inteiro.

A princípio as Normas ABNT são de caráter voluntário, mas nada impede que o Ministério do Turismo baixe uma regulamentação tornando-as obrigatórias, principalmente para as atividades praticadas em caráter comercial. Acredito mesmo que isso irá acontecer, uma vez que o Ministério vem patrocinando a elaboração dessas Normas com pesado aporte de verbas para as entidades que as estão desenvolvendo, a ABETA – Associação Brasileira dos Empresários de Turismo de Aventura e o IH – Instituto de Hospitalidade.

Um dos possíveis problemas é que os cursos oferecidos pelos Clubes podem vir a ser considerados atividades comercial e imediatamente enquadradas no sistema. Isso obrigaria nossos Clubes a desenvolverem um sistema de gestão de segurança e a certificar seus guias de acordo com as Normas da ABNT, o que demandaria enorme burocracia e custos. Alem disso as Normas ABNT, por terem sido desenvolvidas para atender ao turista leigo, são tecnicamente menos exigentes do que nossos currículos de Cursos Básicos, tornando a certificação via ABNT de pouco valor para quem está interessado em aprender Montanhismo no sentido tradicional.

Da mesma forma a certificação via ABNT deverá afetar a todos que praticam a atividade comercialmente, os atuais guias de escalada e montanhismo e suas empresas/escolas de escalada. Fora a burocracia e os custos, não me parece correto que os montanhistas tenham que se certificar através de órgãos totalmente estranhos às nossas atividades ao invés de fazê-lo através dos Clubes, Federações e da CBME, que são constituídos por e para montanhistas.

Outra provável complicação que poderá ocorrer será a exigência de acompanhamento por guias certificados via ABNT em Parques Nacionais. A ABETA e o Ministério do Turismo têm mantido contato com o Ministério do Meio Ambiente e a adoção das Normas como referencia nas Unidades de Conservação pode acontecer a qualquer momento.

Também parece muito provável que as Normas venham a servir de referencia em ações judiciais que envolvam, por exemplo, acidentes em escalada. Um possível argumento para considerar um guia culpado por um acidente seria ele não possuir certificação ABNT.

Enfim, estamos diante de uma situação bastante complexa e nebulosa. Nesse momento é importante que todos os montanhistas tomem consciência do problema e procurem se informar melhor sobre o assunto. A meu ver, a existência do Montanhismo e da Escalada tradicionais praticados de forma independente e voluntária vai depender de nossa união e capacidade de mobilização.

Creio que a matéria é extensa e pretendo voltar a esse espaço com mais detalhes no futuro próximo.
Silvério Nery
http://www.femesp.org/noticias.php?arquivo=2007#58

Um comentário:

André Zancanaro disse...

Toca a gente tirar certificação ABNT para poder entrar num parque nacional sem torração de saco de "guia" bisonho! Eitá povinho!